sábado, 19 de fevereiro de 2011

.do que é importante (07/06/2010)

“Nós acreditamos em Deus. Acreditamos no ser humano.
Acreditamos que nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos!”


Chovia no sábado pela manhã, o que me fez pensar em adiar meu compromisso e dormir pelo menos até às 09hs. Mas decidi não ser tão irresponsável e cheguei, depois de três conduções até o local onde deveria estar.
Era uma casa de recuperação, sem muitos recursos, sem frescura.
É sem frescura... Porque depois de entrar em um lugar assim, você começa a enxergar um monte de coisa que até então era considerado importante como apenas frescura.

E que bobagem falar nisso, está todo mundo cansado de saber que existem casas aos montes por aí em condições precárias, que existem casas de repouso onde os velhinhos são tratados com descaso, orfanatos onde as crianças só esperam um pouco de carinho, e blá blá blá.
Mas já que eu fui, senti, vivenciei e estarei com eles uma vez por mês, enquanto eu puder, quero falar sobre, como se não fosse um assunto “batido”, como se não fosse algo que a gente sabe que existe, se convence que não há nada a fazer, agradece por ser apenas um visitante e não um morador de lá e pede prá que nunca venha a ser.

Nossos olhos se encontravam, eu querendo saber quem eles eram, e eles querendo saber quem eu era. Eu querendo saber seus nomes e eles me perguntando, entre suas falas confusas por cigarro, por bombom, por boné. Assim como suas palavras e seus gestos, meus pensamentos estavam também confusos. Aos poucos nos adaptamos à presença um do outro e eu fiquei me questionando: “O que eu não gostaria de perder?

Perder não é algo agradável, perder sempre remete ao negativo. Bom mesmo é ganhar, acrescentar, aumentar. O fato é que cada pessoa, em algum momento da vida, por melhor que acredite ser, vai perder alguma coisa ou alguém. Perde o ônibus, perde o namorado, perde o campeonato. Perde o emprego, perde a carteira, perde a chance. Perde o cartão, perde a última sessão, perde a vida.

O que Você não gostaria de perder, de jeito nenhum?

A maioria daquelas pessoas que encontrei, tinha perdido tanta coisa... Entre elas, tinha perdido a condição de conviver na sociedade sem supervisão. Tinha perdido o direito de ir e vir, mas porque se as deixassem ir elas se perderiam no caminho, elas se machucariam ou machucariam as outras pessoas, tinham perdido o direito de planejar o amanhã.

Perder-se de si mesmo, não ter controle sobre suas vontades, não saber onde está, não saber quem é a pessoa ao seu lado, quem é você mesmo. Perder a noção dos dias, afinal de contas, os dias ali, me disse uma senhora, eram praticamente todos iguais.
A casa era de recuperação, nome mais simpático que foi dado ao que se chamava de hospício. Agora não me pergunte as chances de recuperação que uma pessoa pode ter em meio a tantas perdas, as suas e as dos outros.
São pessoas conscientes. Mas cada uma, consciente do seu próprio mundo apenas.

Encontrei algumas que eram conscientes do mesmo mundo que eu e você, talvez até mais conscientes que nós dois juntos. Encontrei outras que prá mim, até teriam entrado bem ali, mas se perderam em meio a tantos diferentes mundos, ficou difícil saber qual era o mundo real... "Há uma tênue linha entre a loucura e a lucidez."

Não, não tem moral da história, nem poderia ter.

Eu só me pergunto e te pergunto: “O que você não gostaria de perder por nada desse mundo?”

Eu espero que seja algo realmente importante assim como a dignidade e a lucidez, que eu andei procurando pelos cantos daquele lugar.

Chovia no sábado a noite, o que me fez pensar em como aquela senhora dormiria, naquele quarto gelado com várias outras camas enfileiradas, um cheiro forte de urina, com as vozes que gritavam e nada diziam, e com uma goteira bem ao lado da sua cama.

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