sábado, 19 de fevereiro de 2011

.da viagem (16/04/2010)

Seja você quem for, seja qual for a posição social que você tenha na vida,
a mais alta ou a mais baixa, tenha sempre como meta muita força, muita determinação
e sempre faça tudo com muito amor e com muita fé em Deus, que um dia você chega lá.
De alguma maneira você chega lá.
(Ayrton Senna)


E nesse dia eu acordei bem disposta. Sabia que a viagem seria longa mas não tinha preparado a bagagem. Algumas pessoas tentaram me alertar sobre coisas que eu não poderia deixar de colocar na mala. Me dei conta que eu ainda não tinha uma mala. Eu sempre tive problemas em adiantar as coisas, aquela terrível mania que dizem ser um mal do brasileiro de deixar as coisas prá última hora. Não era um mal de brasileiro. Era um mal meu, mais um dos vários defeitos que eu não conseguia me livrar. Algumas pessoas queriam que eu deixasse prá partir outro dia, ou fosse prá outro lugar. Teve gente me oferecendo a passagem de graça prá eu pegar outro ônibus com garantia de viagem tranquila e chegada certa. Mas teve gente também que pagou minha passagem prá viagem mais difícil, com a certeza de viagem complicada e sem garantia de chegada. Eu estava mais interessada nessa. Decidi levar a pouca bagagem que tinha numa sacola e compraria uma maior, caso encontrasse pelo caminho.
Vesti a minha melhor roupa, arrumei lentamente o cabelo, usei o meu melhor perfume, fiz uma prece.
Parti.
O ponto do ônibus era perto de casa, mas naquele dia foi demorado chegar até lá e quando finalmente cheguei, o ônibus não passava. Eu e mais tantas pessoas aguardávamos nossos ônibus e partilhávamos sem nos dar conta, nossas vidas, nossos caminhos. Ali os sentimentos se misturavam e renovavam. Ansiedade, raiva, mal humor, alívio. Vem vindo o meu.
Cada despedida um encontro.
Entro no ônibus, entrego a passagem, me acomodo. Reacende em mim toda a disposição e alegria com que despertei pela manhã. Fico encantada e grata por estar finalmente dentro do ônibus que olhei de longe pude ler com dificuldade pela miopia as letras que formavam: OPORTUNIDADE. Era a oportunidade que me levaria ao sonho, ao sucesso.
Essa chama foi acesa até chegar em um ponto em que percebi que o caminho estava mais longo do que eu planejei. Eu saí no horário, eu entrei no ônibus certo e bem empolgada pra iniciar meu caminho e chegar logo no meu destino, mas não sei o que aconteceu na cidade, tem alguma coisa impedindo que o ônibus siga num ritmo normal ou acelerado. É o que chamam de um trânsito infernal, um caos, mas o estranho é que tem alguns veículos que conseguem passar. Não deve ser enchente porque o ônibus passaria tranquilamente por onde outros carros estavam passando. Por mais que eu tentasse, eu olhava pela janela e não encontrava saída, pensei em descer e entrar em um ônibus que seguia pra outro caminho, mas aquele era o ônibus que ia pra onde eu gostaria de estar em breve.
Algumas pessoas já haviam descido, não vi pra onde elas foram, parece que algumas seguiram pra outro destino, outras retornaram, outras conseguiram pegar carona com pessoas que estavam conseguindo atravessar o trânsito.
Sabem, se passaram muitas horas e essa situação não mudou. O ônibus fora muito bem até aquele ponto, mas agora semplesmente não se movia, ou se movia lentamente. Por vezes eu me peguei pensando que não adiantaria continuar ali, que o ônibus não andaria mais, que eu nunca chegaria. Me desesperava saber que aquele ônibus que eu esperei tanto no ponto, estava ali parado por tanto tempo e que se ele demorasse mais eu jamais desceria aonde teria que pegar ainda um outro ônibus. E me lembrava que esse outro ônibus trazia mais dificuldades. Eu nunca entrei nele antes, não naquele lugar, eu só sabia que vinha escrito “EXPERIÊNCIA”. Disseram-me que demorava, mas que era preciso curtir a viagem, que seria inesquecível e me daria passagens grátis em vários outros ônibus bem mais ágeis e confortáveis.
Mas esqueceram de me dizer que o ônibus que me levaria até lá era tão complicado. Ou até tentaram me avisar e eu com a minha teimosia (está aí mais um daqueles defeitos que não me deixam) achei melhor não levar em consideração.
Quando o trânsito afinal melhorou, ouvimos um barulho e uma freada lenta. Estávamos parados de novo, olhei pela janela e vi o motorista com aquela cara que dizia “Puta merda, mais essa agora!” Sim, o pneu estava furado, e não adiantava reclamar, tínhamos que esperar a troca.
Era estranho que às vezes, mesmo parada, eu sentia a alegria de já estar dentro do ônibus e tinha acesa a chama da esperança que me dizia que não importava o quanto demorasse, eu chegaria lá. Nem que eu precisasse empurrar o ônibus, ajudar na troca do pneu, me forçar a ficar de bom humor conversando com o motorista, fingindo interesse pra ele não dormir e me levar de boa vontade. Nem que eu tivesse que me desesperar, chorar e gritar, mas eu acordaria um dia e aquele trânsito todo teria aliviado, e eu estaria lá.
Mas o caminho não estava sendo fácil, não estava agradável, e a minha falta de paciência não me ajudava. (Já é o terceiro defeito que você sabe a meu respeito).
Eu sigo no ônibus.
Tem momentos em que o rádio funciona e tocam músicas tão legais! E pra ajudar, param carros ao lado com pessoas tão interessadas em ajudar, em seguir juntos pelo caminho, em passar o tempo com conversas agradáveis. Mas tem momentos em que se olha ao lado e já não tem ninguém, algumas pessoas seguiram, outras voltaram... O rádio não funciona, a luz apaga sozinha, o motorista e o cobrador dormem sabendo que ainda vai demorar. E eu me encontro sozinha, não vejo mais ninguém no ônibus além de mim e os dois funcionários que dormem. Não sei quem fechou, mas não tem nenhuma janela aberta. Lá fora está escuro e por mais que eu force os olhos eu não vejo nada lá fora. Não ouço um ruído sequer. Pior que isso são os momentos em que ouço gargalhadas como se alguém se divertisse pelo atraso da minha viagem.
Assim como eu nesse ônibus, tudo isso é passageiro. A música volta a tocar, outras pessoas sobem no ônibus, eu volto a sorrir mesmo sem saber o motivo, fica tudo claro lá fora e as janelas estão abertas agora.
Nesse momento eu ainda não sei quando vou chegar, decido aproveitar a viagem, aproveitar essas pessoas que não saíram de perto de mim mesmo quando eu não as via. Elas não podiam fazer o trânsito andar, mas elas estavam ali me impedindo de desistir, estavam na porta prá não permitir que eu voltasse prá casa desistindo do meu caminho.
Eu agora faço o possível pra não deixar a música parar, abro as janelas quando as encontro fechadas e no momento em que chega a escuridão, eu fecho meus olhos por um instante e só desejo que essa escuridão esteja do lado de fora, mas jamais dentro de mim. E quando mesmo contra minha vontade, essa escuridão me invade me trazendo o desânimo e o cansaço, eu me permito fechar as janelas, deixar as lágrimas e a revolta saírem, pra receber a claridade o mais rápido possível.
Eu nunca sei quando a luz vai superar a escuridão, mas eu não me permito que a escuridão tome posse de mim por muito tempo. Por mais fraca que seja, há uma luz que não se apaga e que volta a brilhar cada vez mais forte.
O que eu sei é que nada nesse trajeto é a toa e começou a fazer sentido quando eu parei de pensar que só valeria a pena quando eu chegasse no próximo ponto.
Você deve estar se perguntando afinal se eu já cheguei, se está próximo, se o trânsito melhorou... Eu te digo que eu não sei te informar quase nada e ninguém ao meu redor sabe dizer. O que eu te digo e você pode acreditar é que eu vou chegar, mas que até lá eu vou ainda ter que aprender algumas lições úteis e fundamentais pra minha vida.
Vou me transformando à medida que recebo algumas rosas e levo algumas pedradas.
Devo lhe dizer que uma mala nesse caso é de fato desnecessária. Aprendi que eu tenho que chegar de mãos vazias, não posso levar nem as pedras nem as rosas. Tenho que deixá-las pra traz, mas faço questão de me apegar ao perfume e à beleza das rosas. As marcas das pedras vão ficando em mim talvez pra eu me lembrar que eu tenho muitos defeitos que vão me atrapalhar de vez em quando mas até eu terei que saber respeitá-los, ao mesmo tempo que me tornam mais humana, mais igual a qualquer outra pessoa. Servem também prá eu me recordar que dói e assim que devo evitar de apedrejar outras pessoas, porque todas elas estão enfrentando dias de viagem prá chegar seja lá aonde for.
Somos todos tão frágeis, tão sonhadores... Não importa a velocidade que nosso ônibus está andando, é preciso aproveitar por onde estamos passando, é preciso estar atento ao caminho e não se esquecer que mais cedo ou mais tarde, haveremos de chegar e não sabemos o que nos espera .
É preciso aproveitar o caminho.
É preciso estar. Agora.
Eu sigo viagem, você adoraria ver o tanto de gente boa que tenho encontrado e o tanto de gente que não me abandonou desde a minha partida.
Você vai ficar mais feliz ainda quando eu te contar que eu cheguei.
Agora tenho que seguir.
Boa viagem prá você. Prá nós.
Priscila.

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